Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024

A desnecessidade da citação do ex-cônjuge para a decretação do divórcio

Atualmente, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação.

Publicado por Schiefler Advocacia
há 4 anos

Laísa Santos[1]

Na última semana, ganhou destaque nas redes sociais uma decisão proferida pelo juízo da 4ª vara de família e sucessões de São Paulo que deferiu a tutela provisória de evidência para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação da ex-esposa.

Na decisão, o juiz responsável considerou que o divórcio é um direito potestativo incondicionado, citando a Emenda Constitucional 66/2010 que autoriza o divórcio independentemente de qualquer condição, bastando tão somente a manifestação de vontade de um dos cônjuges.

No Código Civil de 1916 e nas constituições passadas, o casamento sempre foi caracterizado como indissolúvel, devendo ser preservado a qualquer custo – ainda que a felicidade dos integrantes da família fosse prejudicada. Visando modificar essa situação, em junho de 1977 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 9 (CF de 1967), permitindo o divórcio após cinco anos de separação prévia.

Com a evolução da sociedade e das relações familiares e conjugais, a Constituição Federal de 1988, no § 6º do seu artigo 226, reduziu os prazos e formalidades, permitindo o divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou na hipótese de comprovação da separação de fato por mais de dois anos[2].

Somente em 2010, com a Emenda Constitucional 66/2010, houve a alteração do § 6º do artigo 226, suprimindo a necessidade de prévia separação judicial ou de fato para fins de divórcio e acabando com a discussão acerca da culpa sobre o fim do relacionamento. A Emenda foi uma proposição do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) apresentada em 2007 pelo então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (BA).

Seguindo essa linha, em 2015, na vanguarda, o IBDFAM aprovou o Enunciado 18 no X Congresso Brasileiro de Direito Família, que previa que nas ações de divórcio e de dissolução de união estável a regra será o julgamento parcial de mérito para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.

Já em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral pelo Provimento nº 06/2019. No provimento, a Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco possibilitou o “divórcio impositivo” que se caracterizava como um ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, não exigindo a prévia concordância do ex-cônjuge.

O Estado foi o primeiro a adotar a medida, não demorando muito para que o Estado do Maranhão também fizesse a regulamentação através do Provimento nº 25/19. Contudo, a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral.

Logo após, o Conselho Nacional de Justiça, através do Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, expediu a Recomendação nº 36/2019, que orientava os tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o divórcio unilateral, sob o argumento de que o ordenamento jurídico brasileiro não permite que o divórcio seja realizado extrajudicialmente quando não há consenso entre o casal. Na oportunidade, também solicitou que aqueles tribunais que já tinham editado atos normativos providenciassem a sua imediata revogação.

Ainda que inexista, até o momento, regulamentação sobre o assunto, aos poucos o Poder Judiciário vem se manifestando no sentido de facilitar o divórcio, destravando barreiras antes impostas ao cônjuge que não tenha mais interesse em continuar o matrimônio.

Em janeiro deste ano, a juíza Karen Francis Schubert, titular da 3ª vara da família da comarca de Joinville (SC) decretou, liminarmente, o divórcio de um casal antes da citação do marido. Em entrevista concedida ao IBDFAM, a magistrada reiterou que o divórcio passou a ser caracterizado como um direito potestativo incondicionado, fundamentado na Constituição. Ainda, fundamentou que para a sua decretação não se exige a apresentação de qualquer prova ou condição, sendo desnecessária a formação do contraditório.

Em maio, o Juiz Substituto da 1ª Vara da Família de Águas Claras/DF também proferiu decisão semelhante. Na ocasião, uma mulher conseguiu o divórcio antes mesmo da citação do ex-cônjuge no processo. O juiz não somente atendeu o pedido de urgência por meio de uma decisão liminar, como também ordenou a expedição de mandado para a devida averbação em cartório.

Evidentemente que, nos dias atuais, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação. Para tanto, tramita no Senado o Projeto de Lei nº 3457/2019, que acrescenta o artigo 733-A ao Código de Processo Civil, permitindo que um dos cônjuges requeira a averbação do divórcio no cartório de registro civil, ainda que o outro cônjuge não concorde com o fim do relacionamento.

Tendo em vista que ainda há divergência entre a orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a interpretação da legislação vigente adotada por alguns magistrados, o Projeto de Lei será bem-vindo, trazendo maior segurança jurídica e eliminando os entraves burocráticos. Indubitavelmente se trata, também, de uma significativa evolução para o Direito de Família e, principalmente, para as relações afetivas e familiares como um todo.

______________________

Texto originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/a-desnecessidade-da-citacao-do-ex-conjuge-paraadecretacao-do-divórcio/

______________________

[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.

[2] ROSA, Conrado Paulo da. Curso de Direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 288.

______________________

📩 contato@schiefler.adv.br
  • Sobre o autorEscritório de advocacia especializado.
  • Publicações146
  • Seguidores193
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1507
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-desnecessidade-da-citacao-do-ex-conjuge-para-a-decretacao-do-divorcio/864615786

Informações relacionadas

Simao Milke, Advogado
Notíciashá 4 anos

Aspectos sobre o direito ao divórcio sem prévia citação do outro cônjuge

Artigoshá 8 anos

Legitimidade na ação de dissolução parcial de sociedade e os seus fundamentos do objeto da ação de dissolução

Maytê Portilho, Advogado
Modeloshá 7 anos

[Modelo] Ação de conversão de separação judicial em divórcio consensual

Rafael Mascarenhas, Advogado
Modeloshá 5 anos

[Modelo] Petição Julgamento Antecipado do Mérito - Art.355 inc.I e Art.356, inc. II do NCPC

Eduilson Borges de Lima Júnior , Advogado
Modelosano passado

Divórcio litigioso c/c Tutela de evidência

2 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Creio que o artigo 10º do CPC deveria ser respeitado, pois garante o contraditório absoluto. Já vi um caso, em que o marido entrou com o pedido de divórcio de forma liminar, foi deferido, enquanto a esposa nem sabia da situação, só teve ciente quando já estavam divorciados. Depois, apresentou em Juízo certidão de interdição, o marido sofria de doenças psiquiátricas e a esposa que cuidava dele, controlando-o com remédios. Enfim, sempre é bom ouvir o outro lado da história, o direito é extremamente dinâmico, não da para presumir qualquer tipo de fato. continuar lendo

Nesse mesmo sentido, em 2019 consegui liminar com expedição de mandado para averbação de divórcio na Comarca de Turmalina - MG. continuar lendo